Assim como a música, o mercado editorial também possui um nicho de criadores invisíveis aos olhos da grande mídia. Se o CD permitiu que milhares de grupos musicais disponibilizassem seus trabalhos sem o apoio de uma gravadora, o livro não goza de todas as benesses dos meios digitais, mas não são poucos aqueles que escrevem e vendem textos de forma independente. E as tiragens não são nada modestas: algumas passam da marca de três mil exemplares, número bastante razoável na realidade brasileira.
Entre estes sucessos marginais, está o livro ‘A Gramática no Cordel’ do paraibano Janduhi Dantas. Na sua sexta edição, a obra já teve seis mil exemplares vendidos em escolas, bancas de jornal, Internet ou mesmo nas ruas, pelas mãos do próprio autor. Transpondo o método de Paulo Freire para a literatura, Janduhi cria um instrumento lúdico para facilitar o ensino da gramática, suavizando seus labirintos. O pedagogo fez uso da realidade local para construir palavras-chaves que, ao mesmo tempo em que ensinavam a ler, politizavam o público sobre suas precárias condições de vida. Dantas partiu da popularíssima, sobretudo no Nordeste, literatura de cordel para disseminar o domínio gramatical de nossa última flor do Lácio.
Já no prefácio, feito pela crítica literária Geralda Medeiros, uma citação de impacto: “Se existem duas culturas, a erudita terá que aprender muito com a popular”. A frase é de autoria da psicóloga Ecléia Bosi e traduz um pouco do espírito do livro. Segundo Geralda, a cultura popular apresenta uma singular “consciência do grupo e responsabilidade que advém dela, a referência constante à práxis e, afinal, a universalidade”. Esta separação amorfa entre erudito e  popular também já foi discutida por Ariano Suassuna, que partiu da literatura de cordel para elaborar algumas de suas obras, como o “Auto da Compadecida”.
Janduhi Dantas tem 45 anos e já cursou faculdade de Comunicação Social e Letras, sem concluí-las. Atualmente voltou a estudar Letras na Universidade Aberta do Brasil e trabalha como serventuário da Justiça no interior da Paraíba. Abrangendo campos da semântica, fonologia e sintaxe, sua obra teve a primeira edição apoiada por um edital de cultura do Banco do Nordeste do Brasil. As outras cinco edições foram feitas por conta própria. O sucesso lhe rendeu uma proposta da Editora Vozes, que prepara uma nova tiragem para o segundo semestre, já com as normas do novo acordo ortográfico.
Confira abaixo trechos do trabalho de Janduhi:
A domicílio: erro comum no comércio
Se entregue a domicílio
A pizza não é gostosa;
A entrega em domicílio
É da pizza saborosa...
Em domicílio também
A aula é mais proveitosa.
Uso dos porquês
Quando for substantivo,
porque junto, acentuado;
vindo depois do artigo
e por motivo empregado:
“Ele não disse o porquê
de à aula ter faltado”.
Nilton José Dantas Wanderley é sociólogo pela Universidade Federal da Paraíba. |
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